terça-feira, 26 de junho de 2018

A Tutela Administrativa sobre as Autarquias Locais em Angola (análise da proposta de lei em consulta pública)


  1. Introdução

O pais entrou desde a eleição do presidente João Lourenço numa rota rumo a institucionalização das autarquias que não tem volta. Falar de autarquia em Angola, hoje, já é  falar do assunto que mais presença faz nas bocas, nas reuniões e em qualquer outra parte em que haja algum assunto para se discutir, eu iria mais longe, está na moda falar das autarquias.

Fora este pequena introdução, o que pretendo mesmo neste pequeno artigo é falar do modelo de tutela administrativa subjacente na proposta de lei da tutela administrativa, uma das seis leis do pacote legislativo autárquico que está neste momento em consulta pública, antes de passar pelo crivo da Assembleia Nacional.

Procurarei neste pequeno artigo discorrer sobre o que doutrina define como sendo a tutela administrativa, como a classifica, e depois fazer um enquadramento doutrinário do modelo de tutela contido na proposta em consulta.

    1. Conceito

A tutela administrativa segundo Freitas do Amaral  consiste “no conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação[1]. Carlos Feijó (2001) considera que por se tratar de uma intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, isto por si só constitui já um limite a descentralização administrativa e no contexto dessa nossa abordagem um limite a autonomia local corporizada pelas futuras autarquias locais.

Não menos importante também é dizer que sendo o nosso estado um estado unitário como estipula a constituição no seu artigo 8 não é defensável a implementação das autarquias locais, enquanto uma das entidades que corporizam o poder local, com ausência de tutela pois como nos alerta Feijó “a ausência de tutela administrativa do Estado, no âmbito de um estudo unitário, sobre poder local autónomo é um meio - caminho para a federalização do país”.

    1. Classificação da tutela

A tutela administrativa pode ser classificada quanto ao seu fim e quanto ao seu conteúdo.

Quanto ao fim a tutela administrativa classifica-se em:

  1. Tutela de legalidade
  2. Tutela de mérito

A tutela de legalidade é a que visa controlar a legalidade das decisões das entidades submetidas a tutela, ou seja a entidade tutelada.

A tutela de mérito é a que visa controlar o mérito das decisões da entidade tutelada.

Mas na prática o que é tutela de legalidade e o que é tutela de mérito? E como distinguir uma da outra?

Imaginemos que uma vez institucionalizadas as autarquias, a autarquia de Luanda por exemplo decida criar impostos locais para tributar os munícipes. A intervenção do executivo para averiguar a legalidade desta decisão, é uma tutela de legalidade pois o objectivo será apurar a conformidade desta decisão à lei, se esta decisão está ou não conforme à lei.

Mas já não será o caso quando se tratar da intervenção do executivo para controlar se a decisão da autarquia é ou não conveniente, se  é ou não oportuna, independentemente de ser ou não legal. Ai se estará perante uma tutela de mérito pois o objectivo será averiguar questões que não têm a ver com a legalidade, mas com outras questões.

Quanto ao conteúdo a tutela administrativa, seguindo de perto os ensinamentos de Freitas do Amaral,  desdobra-se em cinco modalidades:

  1. Tutela integrativa
  2. Tutela inspectiva
  3. Tutela sancionátoria
  4. Tutela revogatória
  5. Tutela substitutiva


  1. Tutela intregrativa

A tutela integrativa é a que consiste no poder de autorizar ou aprovar os actos da entidade tutelada. Neste sentido teremos dentro da tutela integrativa dois tipos de tutela: a tutela integrativa a priori e a tutela intergativa a posteriori. A primeira é a que consiste em autorizar a prática de actos da entidade tutelada, e a segunda é a que consiste em aprovar actos da entidade sob tutela.

Este tipo de tutela levanta dúvida em termos de conceitos, pois o que é uma autorização e o que aprovação no âmbito deste estudo? E como distinguir uma da outra?

A distinção consiste nisto: quando um acto está sujeita a autorização significa que a entidade tutelada não pode praticar o acto sem primeiro obter a devida autorização; se o acto estiver sujeito a aprovação, a entidade tutelada pode praticar o acto antes de obter a aprovação, todavia não pode pô-lo em prática, não pode executá-lo, sem que esteja aprovado.

Por outras palavras diriamos que na tutela administrativa integrativa a priori (autorização) “o exercício da tutela administrativa é condição do exercício da competência da entidade tutelada[2]” e na tutela integrativa a posteriori o exercício da tutela “é condição para dar executoridade do acto praticado pela entidade tutelada[3]



  1. A tutela inspectiva consiste no poder de fiscalização dos órgãos, serviços, documentos e contas da entidade tutelada ou seja no poder de fiscalização da organização e funcionamento da entidade sujeita a tutela.
  2. A tutela sancionatória consiste no poder de aplicar sanções por irregularidades que se tenha detectadas na entidade tutelada.
  3. A tutela revogatória, por sua vez, é o poder revogar os actos administrativos praticados pela entidade tutelada.
  4. A tutela substitutiva é o poder da entidade tutelar de suprir as omissões da entidade tutelada, praticando, em vez dela e por conta dela, os actos que forem legalmente devidos.


  1. A tutela administrativa na Constituição da República de Angola

Da leitura  que se pode fazer do artigo 221 da CRA é possível concluir que o legislador constituinte  evitou consagrar no texto constitucional a tutela de mérito, ou seja a tutela de mérito não encontra acolhimento na constituição angolana.  O nº 2 do referido artigo diz “ a tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte da dos órgãos autárquicos (...)”. este enuciado é uma consagração expressa e inequívoca da tutela da legalidade. Por isso seja qual for o fundamento que proponente de lei use para a inclusão da tutela de mérito na realidade juridico-administrativa angolana, irá sempre embater contra a constituição e ser declarada inconstitucional pelo tribunal constitucional.

Nos termos ainda do mesmo artigo o órgão tutelar é executivo, ou seja é o presidente da república tendo em conta que o actual sistema político consagra um executivo pessoalizado, e não colegial como o era na lei constitucional de 1992. 

O número três do mesmo artigo estabelece, em nossa opinião, limite a dissolução dos órgãos autárquicos, ao condicioná-la ao grau de gravidade das acções ou omissões praticadas por estes órgãos. A dissolução fica assim dependente do grau de ilegalidade, só havendo dissolução caso haja ilegalidade graves nas acções dos órgãos autárquicos.

O número 4 do artigo 221 estabelece as garantias que as autarquias têm diante do órgão tutelar, no caso o executivo. Essa garantia resume-se em impugnar judicialmente as acções que órgão tutelar que considere serem ilegais. Esta garantia também é reforçada pelo artigo 216 que estabelece as garantias das autarquias, neste artigo entendemos que se estabelece as garantias fora do âmbito da relação jurídica tutelar, já que as garantias não podem ser vistas apenas pelo foco da relação tutelar.



  1. A tutela administrativa na proposta de lei da tutela administrativa sobre as autarquias locais

Uma vista geral da proposta de lei oferece-nos a priori os “traços característicos” da tutela que teremos sobre as autarquias locais, caso passe pela Assembleia Nacional sem sofrer alterações substanciais.  Ela será, quanto ao fim, uma tutela da legalidade (art. 3º), e também de mérito (art. 17), quanto ao conteúdo será uma tutela inspectiva (art. 4), sancionatória (art. 8), integrativa (art. 15), subtitutiva (art. 18 e o nº 3 do art. 15) e a tutela revogatória (art. 17)

A tutela inspectiva prevista na proposta é feita através de inspecções, inquéritos e sidicâncias (nº 1 do art. 4) que acreditamos que venha a ser feito pelo MATRE ou pelo MAPTESS ou conjuntamente pelos dois por delegação de poderes do Presidente da República.

A tutela integrativa é uma tutela a posteriori feita por meio de ratificação tutelar (art. 15 e 16) e pela natureza dos documentos sujeitos a atificação serão, em nossa opinião, os ministérios das Finanças, da Economia e desenvolvimento, e o do urbanismo e habitação os titulares desse poder depois da competente delegação de poderes.

As tutelas de mérito, substitutiva e revogatória são consagradas na proposta a título excepcional e transitório. Resta-nos aqui saber até que ponto a inclusão de norma a título excepcional e transitório pode ficar imune a inconstitucionalidade. O que defendemos é que os deputados solicitem um controlo preventivo junto do TC caso pretendam afastar  a  constitucionalidade da norma que fere a constituição e caso não o consigam antes da aprovação, podem sempre fazê-lo a posteriori através do controlo sucessivo.

Dos tipos de tutela reconhecidos a nivel doutrinal, a proposta fez questão de usar todos, o que significar dizer que teremos, se aprovado assim como está, um regime de tutela administrativa sobre as autarquias locais muito intenso, e que vai de certa forma beliscar o princípio da autonomia local consagrado no artigo 214 da Constituição.

Esse regime de uma intensa tutelada administrativa na primeira fase da implementação das autarquias é defendido pelo Doutor Feijó que já o perspectivava em 2001  nos seguintes termos:

Assim, numa primeira fase, a tutela administrativa poderá ser mais intensa para assegurar e proteger melhor bens como a unidade nacional e o desenvolvimento harmonioso do País. Na verdade um país que sai de um sistema centralizado e sem tradição municipalista para um sistema descentralizado e autónomo não deve seguir outra opção[4].”

Independentemente do bondade do doseamento da tutela por fase defendido pelo doutor Feijó, entendo que o respeito pela Constituição deve estar acima de qualquer intensão legislativa ou administrativa, por isso é de afastar a tutela de mérito e a tutela revogatória da proposta de lei.





BIBLIOGRAFIA

  • ANGOLA. Constituição (2010). Constituição da República de Angola: promulgada em 5 de Fevereiro de 2010. Luanda. Imprensa Nacional – EP, 2010.
  • FEIJÓ, Carlos Maria. A Tutela Administrativa sobre as Autarquias Locais (Perspectivas futuras). Disponível em
  • FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso de Direito Administrativo.  Vol. I. 3ª edição
  • MATRE. Proposta de Lei da Tutela Administrativa sobre as Autarquias Locais. Disponível em www.mat. gv.ao







[1] FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso de Direito Administrativo.  Vol. I. 3ª edição. p. 880.
[2] FREITAS DO AMARAL, Diogo. op. cit. p. 885.
[3] Idem.
[4] FEIJÓ, Carlos Maria. A Tutela Administrativa sobre as Autarquias Locais (Perspectivas futuras). Disponível em https:// library.fes.de/pdf-files/bueros/angola/hosting/feijo.pdf e também https://carlosfeijo.co.ao/site/2001/tutelaadmincf/ acesso em 23/06/2018.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Os desafios da 4ª Legislatura em Angola

Começou anteontem, 16 de Outubro, a 4ª legislatura na nossa jovem república a quem todos temos o prazer de chamar Angola. No início de uma legislatura, seja ela qual for, há desafios que se lhes colocam e esta não é excepção. Sobre ela também pesam muitos desafios, sendo os principais os seguintes:
 
1ª Implementação das autarquias locais
Sabe-se a grosso modo que uma das formas de desenvolvermos as localidades é dar-lhes poder para que elas mesmas sejam os agentes principais do seu processo de desenvolvimento. Se assim é no plano económico, diferente não poderá ser no plano jurídico-administrativo. E isso faz-se com poder local que se torna visível através das autarquias locais e as autoridades tradicionais.
O poder local sempre esteve consagrado na nossa lei mãe, o que falta mesmo é a sua passagem do texto constitucional para a "realidade dos factos" como bem o disse o presidente no seu discurso à nação. Essa demora em implementar as autarquias, em minha opinião, sempre se deveu a falta de vontade política de quem governou e é com agrado e muita satisfação que vejo estar a surgir de uma maneira mais consistente essa vontade por parte do partido que ganhou as eleições, o mesmo que durante muitos anos foi fazendo retórica para justificar o adiamento sine die dessa implementação.  A permanente menção das autarquias locais na campanha, no discurso de investidura e agora no seu primeiríssimo discurso à nação é prova de que já há vontade política. O presidente da Assembleia Nacional fez questão de lembrar que este é um dos principais desafios, a par de outros.
Alguns passos foram dados na legislatura anterior neste sentido como aprovação da Resolução nº 14/ 15 de 17 de Junho sobre as tarefas essenciais de Preparação e Realização das Eleições Gerais e Autárquicas, e depois, já a poucos dias do fim da última legislatura a aprovação da Lei 15/17 de 8 de Agosto (Lei Orgânica do Poder Local). É preciso que os olhos não se fixem só nas consequências políticas da implementação das autarquias, sendo a mais imediata a fragmentação do poder político, mas no que de bom isto pode trazer: a autonomia das localidades.
Este é, em minha opinião, o principal desafios desta legislatura: a aprovação de todo o pacote legislativo sobre as autarquias locais.
 
2º Aprovação dos diplomas legais que vão reformar a justiça
Na recta final da última legislatura muito se discutiu sobre o aborto, que é uma das matérias que foi preponderante para o adiamento da aprovação do Código Penal, não havendo nada neste primeiro ano legislativo que obste a retoma da discussão, penso que seria bom que o código penal fosse um dos primeiros diplomas legais a serem aprovados. seguindo-se-lhe a aprovação do código de processo penal, código de processo civil, fazer melhoria no código da família e outros diplomas do pacote sobre a reforma da justiça e do direito.
São muitos os desafios deste legislatura, mas esses dois e a aprovação da lei  sobre a liberdade religiosa e de culto são aqueles que considero como devendo ser os prioritários.
Espero sobretudo que haja mais iniciativas legislativas das formações políticas no parlamento que do executivo como tem sido corrente.
E já a terminar, que não nos deixem ficar mais cinco anos sem assistirmos em directo as sessões do parlamento. assistimos a investidura em directo, a tomada de posse dos ministros em directo, a tomada de posse dos nossos dignos representantes em directo. Porque não acompanharmos também em directo os seus trabalhos?

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A problemática das fontes do direito Angolano


II A PROBLEMÁTICA DAS FONTES DO DIREITO

O modo como se cria e se manifesta o direito positivo, é nisto que consiste o problema das do direito. Estudar e reflectir sobre as fontes do direito é essencialmente procurar respostas para as seguintes questões: de onde vem o direito? Como surge? Como é formado?

Santos Justos[1]  nos lembra que não tem faltado soluções a esta problemática que desde logo foi favorecida pelo equívoco gerado pela metáfora «fontes do direito» que ao longo do século XVI foi usada em vários sentidos :

1.      Fontes de conhecimento: que mais não é do que os textos onde se encontram as normas jurídicas ou seja o iuris cognoscendi.

2.      Fontes genéticas que são os factores, as forças que determinam o conteúdo do direito aqui estamos nos referir concretamente de factores de natureza sociológica que impulsionam a feitura de leis.

3.      Fontes de validade: o valor ou princípio que fundamenta a normatividade jurídica, aqui poderíamos nos referir aos valores que estão na base da obrigatoriedade do direito positivo, uma questão que consideramos ser  filosófica, mas tem que grande importância para compreendermos o porquê de estarmos vinculados a norma emanadas pelo estado.

4.      Fontes de juridicidade (fontes manifestandi): são os modos de produção ou formação das normas jurídicas que começa com a preparação e apresentação de um projecto ou proposta de lei, a sua discussão, votação e posterior promulgação e publicação.

5.      Fontes de produção (fontes exsistendi) que são os órgãos produtores  que revelam o direito, aqui podemos falar em órgãos produtores de leis no seu sentido amplo.

Todos esses sentidos usados ao longo do tempo, precisamente no seculo XVI, no império romano, definiram as fontes do direito romano (de onde o direito angolano, enquanto direito formado do direito português, é originário) em três fontes: exsistendi ou essendi, manifestandi e a fonte cognoscendi.

O professor Galvão Telles resume-as em duas fontes (ou dois cambiantes como ele as chama) «a actividade criadora do direito em si mesma (...) e o resultado tangível a que ela conduz – o texto em que ficam expressas as normas jurídicas[2]»

O jusfilósofo Miguel Reale possui uma visão crítica acerca da tradicional divisão das fontes do direito. Diz ele que

 
A antiga distinção entre fonte formal e fonte material do direito tem sido fonte de grandes equívocos nos domínios da Ciência Jurídica, tornando-se indispensável empregar o termo fonte do direito para indicar apenas os processos de produção de normas jurídicas. O que se costuma indicar com a expressão “fonte material” não é outra coisa senão o estudo filosófico ou sociológico dos motivos éticos ou dos fatos econômicos que condicionam o aparecimento e as transformações das regras de direito. Fácil é perceber que se trata do problema do fundamento ético ou do fundamento social das normas jurídicas, situando-se, por conseguinte, fora do campo da Ciência do Direito[3]

 

  
III CONCEITO

Antes de entrarmos para o conceito de fontes de direito, importante seria fazermos uma incursão, ainda que breve, na semântica do vocábulo fonte inserido na expressão fonte de direito. A palavra fonte remete à ideia de origem, do lugar de onde brota algo como fontes d’agua ou nascente. Ela é usada de forma metafórica no direito para designar a forma como surge o direito ou seja o lugar de onde provem a norma jurídica, donde nascem regras jurídicas ainda não existentes na numa determinada sociedade.

Fazendo uma outra incursão pelas várias ordens júridicas começamos pelo direito português onde o Professor Galvão Telles entende que «chamam-se fontes do direito em sentido tecnico-juridico os processos de criação das normas jurídicas e o modo como elas se revelam»[4] Oliveira Ascensão consiedera-as como «modos de formação e revelação de normasjurídicas (...)[5]» santos Justos define-as como «o modo como se constitui e se manifesta o direito positivo vigente numa determinada comunidade histórica»[6]

No direito brasileiro, destacamos o professor Miguel Reale  segundo o qual «fontes do direito são os processos dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa»[7]

Para o estudo em causa consideramos fontes do direito a forma pela qual surgem as normas juridicas num determindado estado, revelando deste modo o direito.

 IV CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES DO DIREITO

É vasta e bastante diversificada a classificação que se faz das fontes do direito, mas a classificação que perpassa por quase todos os jurisconsultos é a que as divide em fontes formais e fontes materiais.

Comecaremos pela distinção que o nosso código civil faz delas.  Com base no artigo 1ª do codigo civil as fontes de direito classificam-se em:

1. Fontes imediatas que são as as leis e as normas corporativas, entendendo lei no seu seu sentido amplo ou seja normas gerais provenientes de orgãos estatais competentes, e normas corporativas como «regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atrribuiçoes bem como os respectivos estatutos e regulamentos»[8]

2. Fontes mediatas que são os usos e a equidade cuja força vinculativa provem da lei.[9]

Santos Justos distingue as fontes do direito em fontes voluntárias e não voluntárias colocando nas primeiras a lei, a jurisprudência e a doutrina, e nas segundas o costume e os principios gerais do direito.

Nos concentraremos na classificação tradicional que as divide em fontes materiais e fontes formais.

1. Fontes materiais: denomina-se por fontes materiais todos os motivos de natureza éticos ou os factos económicos que estão na origem do surgimento ou  transformação de normas jurídicas e que são objecto de estudo dafilosofia e da sociologia. Eles são como nos diz Reale o fundamento ético e social da norma juridica. Como se sabe as leis estão condicionadas por multiplos factores que variam e as fazem variar, factores como a densidade populacional, a geografia do pais, as questões de indole religiosa… enfim uma multiplicidade que vão influenciar o aparecimento de uma lei.

 

2. Fontes formais:nesta classe de fontes enquadram-se as formas de expressão ou exteriorização do direito, o modo pelo qual elas se tornam conhecidas. É neste categoria em que colocamos a lei, o costume, a jurisprudência e a doutrina ou ciência jurídica como fontes do direito.

Galvão Telles considera esses quatros elementos como as fontes do direito vistas no plano histórico e universal. Quem, todavia, não partilha da mesma ideia é Reale que vê todas como fontes do direito (uma com maior peso do que outras em função do sistema juridico em que cada uma está colocado) com excepção da doutrina. Mais adiante quando falarmos da doutrina procuraremos apresentar as  razões que enuncia para  sustentar  a posição.

Neste trabalho nos cingiremos as fontes formais do direito, por entendermos ser a matéria mais propriamente ligada ao direito, as fontes materiais são objecto de outros ramos tanto da ciência do direito  como das ciências sociais no geral.

 
 4.1 A lei

4.1.1 Noção

Ao darmos uma noção de lei temos de ter o cuidado com a maleabilidade da linguagem que não poucas vezes nos pode induzir em equívocos. Lei no seu sentido mais amplo lei deve vista como conjunto de principios que estabelecem uma relação funcional entre os seres é neste sentido que no termo lei incluimos as leis fisicas, leis religiosas e leis jurídicas. Mas no ambito juridico a lei tem um sentido mais restrito, neste sentido falar de lei, será o mesmo que falar de direito, falar de lei neste sentido será também por exemplo falar de diplomas emanados da Assembleia Nacional e do Presidente da República.

Enquanto fonte do direito a lei é definida como «toda norma escrita proveniente dos orgãos estaduais competentes»[10]. Mas devemos ter o cuidado de não confundir normas juridicas com textos legais, pois uma coisa é a norma, outra é o texto que a manifesta. A lei para não ser qualquer norma emanada de órgãos competentes, é necessario, em bom rigor, que essa norma  seja como nos ensina Reale[11], constitutiva de direitos  ou seja que seja uma norma que traga algo de novo com cacter obrigatório no sistema juridico em vigor, regulando comportamentos ou actividades públicas.

É assim que, para se ultrapassar esta dificuldade gerada pela circunstancia de nem sempre a lei, em bom rigor, ser sinónimo de direito, se costuma se falar da lei em sentido formal e lei em sentido material resultando deste sentido a lei formal e a lei material.

a)      Lei formal:  é todo o acto normativo emanado de um orgão com competência legislativa, quer contenha, ou não uma verdadeira regra juridica. Todos os orgãos com competência legislativa é um órgão legislativo e pode emitir uma lei em sentido formal. Na nossa realidade juridica são-nos a Assembleia Nacional (art. 166 da CRA) e o Presidente da República (art. 125, nº1 e art.126 da CRA).

b)      Lei material: todo o acto normativo emanado de um orgão do Estado, mesmo que não tenha uma função legislativa, desde que contenha uma verdadeira regra juridica. Neste sentido consideraremos de leis material até mesmo um despacho executivo de um ministro que na actual realidade constitucional são meros auilares do PR, desde que este despacho contenha verdadeiras regras juridicas ou seja regras com carácter abstracto, geral e obrigatória para todos e que traga alguma inovação, revelando deste modo o direito.

Importante será ainda dizer que existem leis meramente formais. Podemos a título de exemplo nos referir às leis de autorização legislativas da Assembleia Nacional que concedem permissão ao presidente da República para legislar matérias da reserva relativa das competência da AN (art. 165 da CRA), bem como as leis que aprovam os tratados internacionais.

Existem ainda leis que o são tanto em sentido formal como sentido material. Estão neste grupo de leis a Constituição da República de Angola, as leis de revisão constitucional e as leis ordinárias da Assembleia Nacional. Essas além de provirem de um orgão legislativo por excelência (no caso a nossa AN), são leis, com exepção das que nos referimos no paragrafo anterior, que trazem verdadeiras regras júridicas.

Neste particular importa ainda dizer que a lei pode ainda ser vista num sentido amplo e num sentido restrito, no primeiro sentido será lei toda e qualquer regra jurídica não importando a sua localização, no segundo será apenas lei o diploma emanado pela Assembleia Nacional pois é este o orgão legislativo por excelencia.

4.1.2. Hierarquia e classificação das leis

A existencia de várias categorias de leis exige que se faça uma hieraquização ou seja que estas estejam organizadas num sistema piramidal hieraquizado, tendo no seu vertice a lei com um grau de importancia maior e as de grau relativamente menor colocarem-se nos escalões inferior. É assim que temos:

1º as leis constitucionais situadas no topo da piramide por serem leis que fixam os grandes principios da organização política e da ordem jurídica e os direitos fundamentais dos cidadãos.

leis ordinárias que são as imediatas a seguir às constitucionais, devendo obediências àquelas por lhes serem superior, e não podem estas contrariarem o conteudo daquelas sob pena de serem consideradas inconstitucionais. As leis ordinarias são também chamadas de leis infraconstitucionais.

Na leis ordinárias encontraremos as leis dimanadas da AN e do Presidente da República nomeadamente:

1.      Em relação a Assembleia Nacional: as leis orgânicas, as leis de bases, as leis e as leis de autorização legislativas (art. 166 da CRA)

2.      Em relação ao presidente da República: os decretos legislativos presidenciais e os decretos legislativos presidenciais provisórios.

 
 

4.2 O costume

No costume a norma forma-se espontaneamente no meio social.  É a própria comunidade que desempenha o papel que no caso da lei é desempenhado por certas autoridades competentes para legislar.

O costume é definido como uma prática social constante observada com o sentimento ou convicção de que é juridicamente obrigatório[12]

A base do costume é a repetição de certas práticas sociais  que podemos designar por uso. Mas não basta um uso para que exista costume. É necessário que essa prática seja acompanhada de uma consciência da sua obrigatoriedade. A comunidade deve estar convencida de que aquela prática não é algo de arbitrário, mas antes vinculativa e essencail à comunidade. Este elemento denomina-se “animus“.

O costume é assim formado por dois elementos: o corpus e o animus. O corpus é a prática constante; o animus é a convicção da obrigatoriedade dessa prática.

O direito consuetudinário é, assim, um direito não deliberadamente produzido, sendo considerado por alguns autores como a fonte de direito por excelência. Outros autores entendem que o costume só constituirá verdadeira fonte de direito quando o Estado reconhecer que as normas juridicas podem nascer da vontade popular.

Na realidade jurídica angolana é aceite todo o costume que não contrarie o direito positivo, é o que nos diz p artigo 7 da nossa Constituição.

É de notar ainda que entre nós a lei estabelece que os Tribunais devem aplicar também as normas formadas por via consuetudinária.

 A este propósito o artigo 348.º do Código Civil nos dá algumas luzes .O Código Civil não fala do costume no capítulo destinado às fontes de direito. É por isso que esta norma (artigo 348.º do Código Civil) assume particular importância, uma vez que muitos autores vêm nela o pleno reconhecimento por parte do legislador da validade e da eficácia das norma fundadas no costume.

Historicamente, o costume é a mais importante fonte de direito. Contudo, a partir do século XVIII, os pensadores começaram a desacreditar tudo o que tinha que ver com a organização espontânea da sociedade. Assim sendo, o costume passou a ser olhado com alguma suspeita, restringindo-se muito o seu alcance e possibilidade de actuação

 

 4.3. Jurisprudência

Define-se como a orientação geral seguida pelos tribunais no julgamento dos diversos casos que lhe são submetidos; mas também pode ser definida como o conjunto de decisões [1] dos tribunais sobre os litigios que lhe são submetidos.

Uma questão que importa saber é se esses modos de decidir têm validade para além do caso que decidem e se criam regras para o futuro. É o que acontece nos EUA e na Inglaterra em que a jurisprudência é fonte de direito.

Entre nós não é assim que se verifica. O juiz tem unicamente que julgar em conformidade com a lei e com a sua consciência (artigo 8. do Código Civil), sendo perfeitamente irrelevante que a sua decisão contrarie outra decisão tomada por um outro tribunal, ainda que de categoria mais elevada.

Nas situações normais a jurisprudência não é fonte de direito. Contudo, ao longo do tempo e na medida em que se vai explicitando uma consciência juridica geral, contribui para a formulação de verdadeiras normas juridicas.

Ao principio de que a jurisprudência não é fonte de direito há que juntar uma importante excepção. Em certas circunstâncias as decisões do tribunais superiores devem ser consideradas autênticas fonte de direito. É o caso dos Assentos.  

É ao Tribunal Supremo  que cabe proferir assentos. São requisitos para esta formulação:

– haver contridão entre decisões de tribunais superiores relativamente à mesma questão fundamental de direito;

– as decisão não terem sido preferidas uma em recurso da outra;

– as decisões terem sido proferidas no domínio da mesma legislação.

 

O acórdão que resolve o conflito designa-se por assento e é publicado na 1.ª série do Diário da República. A partir desse momento esse assento passa a ser obrigatório para todos os tribunais. Os assentos constituem assim uma verdadeira norma juridica, embora formada por via jurisprudencial (pela via dos tribunais).

 
 

4.4. Doutrina ou Ciência Jurídica

A doutrina compreende as opiniões e pareceres dos jurisconsultos sobre a regulamentação adequada das diversas situações sociais. Consiste em artigos, monografias, escritos cientificos, os quais se debruçam sobre problemas juridicos, quer referentes à criação do direito, quer à sua aplicação.

Alturas houve em que o labor doutrinário foi elevado à categoria de verdadeira fonte de direito. Foi o que aconteceu em Roma em que a certos jurisconsultos era dado o poder de ditar soluções obrigatórias para a resolução de casos concretos.

 
 
V CONCLUSÃO

A abordagem do presente tema mostrou a várias formas pelas quais se forma o direito que é o metaforicamente falando chamamos de fontes do direito. Estas fontes como podemos constar tomam várias formas desde os condicionamentos de ordem geografico, económico e social a que nos referimos como sendo fontes materiais à exteriorização da normas juridicas designado tradicionalmente como fontes formais.

A pesquisa traz à vista a importancia que cada elemento (lei, costume, jurisprudência e doutrina) desempenha na revelação do direito, não se podendo descurar o papel que cada um exerce. Se hoje se pode falar da lei como fonte principal do direito enquanto fruto do direito positivado, outrora não era assim. O costume já teve em outros tempos relevancia sobre qualquer outra fonte e ainda continua a manter essa prepodencia em alguns sistemas jurídicos.

Assim é fundamental que no estudo da fontes do direito, se olhe para as fontes de uma maneira panorámica não se substimando nenhmuma da fontes. 

 

 

VI BIBLIOGRAFIA

 

1. ASCENÇÃO, José Oliveira (2016) O Direito – Introducção e teoria geral. Reimpressão da 13ª edição(2005). Almedina Editora. 677 pp. Coimbra.

2. ESCOLAR EDITORA. Código Civil República de Angola. Escolar Editora 1203 pp. Luanda.

3. JUSTO, António dos Santos (2012). Introdução ao Estudo do Direito. 6ª Edição. Coimbra Editora. 425 pp. Coimbra.

4. REALE, Miguel (2002). Lições Preliminares de Direito. 27ª edição. Editora Saraiva.. 267 pp. São Paulo.

5. TELLES, Inocêncio Galvão (2010). Introdução ao Estudo do Direito vol. I, 11ª Edição. Coimbra Editora. 486 pp. Coimbra.

 

 



[1]JUSTO, Santos. Introdução ao Estudo do direito. 6ª edição. Coimbra editora. p. 187.
[2]TELLES, Inocêncio Galvão. Introdução ao Estudo do Direito. Vol 2. 11ª edição. p. 64.
[3] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª edição. Editora Saraiva. 2002. São Paulo. p. 109
[4]TELLES, Inocêncio Galvão, op. cit. p. 63
[5]ASCENÇÃO, José Oliveira. O Direito – Introducção e teoria geral. Reimpressão da 13ª edição. P. 54.
[6]SANTOS, Justo. Op. Cit. p. 187.
[7]REALE, Miguel. Op. cit. p. 109.
[8]Art. 1, nº 2 in fine do Código Civil Angolano aprovado pelo decreto-lei 47344 de 25 de Novembro de 1966 (decreto Português) e que entrou no ordenamento jurirdico angolano por meioartigo 58 da Constituição da República de Angola de 1975, publicada na diário da República, I série nº1, do dia 11 de Novembro.
[9]Artigos 3 e 4 do Código Civil angolano.
[10]Reale, Miguel. op.cit. p. 163.
[11]Idem.
[12]Baptista Machado, apud Santos Justo. op. cit. p. 211.