sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Direito Processual Civil. Processo declarativo ordinário

PROCESSO DECLARATIVO ORDINÁRIO
                               ( Apontamentos do Professor Catedrático Antunes Varela extraidos do seu livro Manual de Processo Civil) 


Fases do processo declarativo ordinário e função específica de cada uma delas

O plano geral do processo declarativo ordinário pode ser dividido, num estudo analítico da acção, em cinco fases, períodos ou ciclos distintos.

O primeiro período é o dos articulados; o segundo compreende o saneamento e condensação do processo, bem como o julgamento antecipado da lide; o terceiro é o da instrução; o quarto, o da discussão e o quinto, o do julgamento da causa.

A) Articulados é a fase introdutória destinada a definição dos termos da acção e à exposição das razoes, tanto de facto como de direito, que servem de fundamento aà pretensão de cada uma das partes.

À exposição das razões de facto sobreleva, de modo geral as das razões de direito, visto o juiz só poder servir-se, em regra, dos factos alegados pelas partes (art.664) e não estar pelo contrario, sujeito às alegações das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito ( la court sait le droit: art. 664, 1ª parte).

B) Saneamento e condensação do processo ou julgamento antecipado da lide. O segundo abrange as seguintes finalidades essenciais: a) o julgamento imediato da acção, se houver já elementos suficientes para decidir (seja quanto aos pressupostos processuais, seja quanto ao fundo da questão); b) a correcção de todas as irregularidades formais sanáveis; c) a expurgação do processo dde todas as questões supérfluas ou inúteis, no caso de a acção haver de prosseguir.

A essas finalidades acresce a da fixação das questões de facto essenciais à decisão da causa (concentração e condensação do processo).

C) Instrução. O terceiro período tem por fim a produção ou a recolha dos elementos de prova sobre os factos que, interessando à decisão da causa, não tenham sido devidamente esclarecidos no ciclo  anterior. (art.513).

Instruir a acção consiste exactamente em carrear para o processo (mais o julgador do que os autos) os elementos necessários à prova da matéria de facto controvertida e essencial ao julgamento da causa.

D) Discussão. É o ciclo processual preenchido pelos debates entre os patronos das partes: debates orais, na apreciação crítica da prova produzida; debate por escrito sobre o aspecto jurídico da causa, no caso de os advogados não terem preferido a discussão oral (art.657).

E) Julgamento. Trata-se do período destinado à decisão da causa, a qual se desdobra em dois momentos distintos: o julgamento da matéria facto, efectuado pelo tribunal colectivo, sob a forma de respostas aos quesitos formulados no questionário; o julgamento final, mediante a aplicação do direito aos factos provados, sendo a decisão proferida por juiz singular.

 ARTICULADOS

Dá-se nome de articulados às peças escritas pelas quais as partes introduzem a lide, expondo os fundamentos da acção e da defesa e formulando os pedidos correspondentes (art. 151, nº 1).

A designação genérica de articulados  dada na lei e na doutrina a tais peças escritas advém da circunstância de os fundamentos, tanto da acção, como da defesa, deverem ser deduzidos por artigos, ou seja, sob a forma de proposições gramaticais seguidas e numeradas, semelhantes às dos textos legislativos que dão pelo mesmo nome.
Os articulados eram normalmente quatro (petição inicial, contestação, réplica e tréplica) antes do decreto nº242/85 de 9 de Julho; mas passaram a ser normalmente dois apenas, após a entrada em vigor deste diploma.
 
PETIÇÃO INICIAL

A petição inicial é o articulado em que o autor propõe a acção. Esta é a sua função específica.
Ao propor a acção o autor formulará a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter e exporá as razões de facto e de direito em que a fundamenta.
É, por conseguinte ao titular do direito violado que incumbe requerer do tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado à reparação do seu direito: Nemo iudex sine actore; Ne procedant iudex ex officio.
 A petição inicial é precisamente o acto processual pelo qual o titular do direito violado ou ameaçado, nas acções de condenação, requer do tribunal o meio de tutela jurisdicional destinado à reparação da violação ou afastamento da ameaça. E a sua importância basilar resulta precisamente de não haver acção sem petição, ou seja de não haver concessão oficiosa da tutela jurisdicional.
Entre as indicações mais importantes que devem constar da petição (art.467, nº 1), destacam-se as seguintes: a identificação das partes, a narração dos factos e a exposição das razões de direito que servem de fundamento à acção; a formulação do pedido; e a especificação dos factos narrados que considera provados, bem como daqueles que se propõe provar.

Se a petição contiver deficiências de carácter substancial, que irremediavelmente comprometam a sua finalidade, será considerada inepta. E a ineptidão da petição inicial, determinando a nulidade de todo o processo (art. 193 nº 1), é uma das causas de indeferimento liminar da petição (art.474 nº 1,a)).

As causas de ineptidão da petição inicial, mencionadas no nº 2 do artigo 193, são as seguintes:
 

a)      Falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir.
 
O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor ( o reconhecimento judicial da sua propriedade sobre determinada coisa; a entrega ou restituição dessa coisa; a condenação do réu numa prestação de certo montante; etc.).
A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
Assim se o autor não indicar o efeito jurídico que pretende obter com a acção ou não mencionar o facto concreto que lhe serve de fundamento (como se ele requerer a declaração de que nada deve ao réu, sem mencionar o acto jurídico concreto a que reporta a declaração, a petição será inepta. Como também será inepta, se a indicação do pedido ou da causa for feita em termos verdadeiramente obscuros ou ambíguos (ininteligíveis).

b)     A petição será de igual modo inepta quando, sendo inteligível a indicação do pedido e da causa de pedir, haja, todavia, contradição intrínseca ou substancial insanável entre um e outra.

É o caso de o autor vir arguir a nulidade do contrato e concluir pedindo a condenação do réu numa prestação emergente do contrato.

c)      A petição considera-se finalmente inepta quando nela se cumulam pedidos substancialmente ou intrinsecamente inconciliáveis entre si.

Assim sucederá quando por exemplo, depois de arguir a anulabilidade do contrato, o autor peça a anulação deste e, ao mesmo tempo, a condenação do réu na principal prestação nascida do contrato (como se este permanecesse válido).

 ENTREGA DA PETIÇÃO NA SECRETARIA. MOMENTO DA PROPOSITURA DA ACÇÃO

A entrega da petição inicial na secretaria do tribunal a que é dirigida marca o momento exacto da proposição da acção. A acção é considerada proposta ou instaurada no preciso momento em que a entrega da petição é inscrita no livro de registo de entregas da secretaria, devendo o recebimento ser ainda averbado no original da petição.
 

RECUSA DA PETIÇÃO PELA SECRETARIA

A secretaria deve e pode recusar o recebimento da petição, quando esta apresente deficiências que impeçam a sua aceitação.
Como o não recebimento pode, porém, causar prejuízos graves e irreparáveis ao autor, só em termos muitos limitados a lei permite a recusa da petição pela secretaria.
Rege para esses efeitos o artigo 213, segundo o qual «nenhum papel é admitido à distribuição sem que contenha todos os requisitos externos exigidos por lei». O espírito do artigo 213, ao cingir a recusa da distribuição dos papéis apresentados na secretaria à falta de requisitos externos, é o de abranger apenas as deficiências de forma exteriores à declaração da parte, sem penetrar na substância da declaração contida no papel.


DISTRIBUIÇÃO

 Não havendo motivo para recusa de recebimento, deve a petição, depois de registada a sua entrada, ser levada à distribuição.

Diz-se distribuição o acto complexo (operação burocrático-judicial) pelo qual as diversas petições são repartidas entre as diferentes secções (de processos) da secretaria entre os diversos juízes que servem no tribunal, quando este contenha mais de um juízo.
É através da distribuição que assim se determina a secção de processo onde a acção vai correr e o juiz que nela vai intervir como juiz da causa.


CONCLUSÃO DO PROCESSO (AO JUIZ).

ATITUDES POSSÍVEIS DO JUIZ DA CAUSA
Feita a distribuição, sabendo-se qual o juiz da causa e a secção (de processos) por onde o processo vai correr, a petição é remetida à secção, para que nela seja devidamente autuada com os documentos que a acompanham.
Autuada a petição e logo que pago o preparo inicial deve o processo ser concluso ao juiz, para que este, examinando a petição lhe dê o despacho (art. 166 nº1).

Neste despacho, pode o juiz, consoante as circunstâncias, tomar uma de quatro atitudes:

a)      Indeferir liminarmente a petição;

b)     Convidar o autor a completar ou a corrigir a petição;

c)      Mandar arquivar o processo;

d)     Ordenar a citação do réu.


INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO. MOTIVOS.ATITUDES POSSÍVEIS DO AUTOR

          Dá-se o indeferimento liminar da petição quando:

a)      esta seja inepta;

b)      haja falta manifesta de algum dos pressupostos processuais de que o juiz possa conhecer ex officio;

c)      quando for manifesto que a acção foi proposta fora de tempo, sendo a caducidade  de conhecimento oficioso ou não pode proceder

d)     quando a petição não possa ser aproveitada para a forma que o processo deva seguir (art. 474).

O indeferimento liminar da acção mata a acção à nascença, dando lugar à extinção (art.287 a)) ou absolvição da instância (art. 288 nº1).    

(Apontamentos extraidos do Manual de Processo Civil I do Professor Doutor Antunes Varela)