quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Três anos de Constituição da República Angola




Três anos de Constituição da República de Angola (I)

Completamos no passado dia 5 de Fevereiro três anos desde que aprovamos[1] a Constituição da República de Angola. Recorde-se que essa data (5 de Fevereiro), é a da promulgação e publicação da Constituição no Diário da República, nº 23, Iª Série, no ano 2010, depois da sua aprovação pela Assembleia Constituinte no dia 21 de Janeiro e depois ainda de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional para efeito de fiscalização preventiva de Constitucionalidade[2] no dia 30 de Janeiro e novamente apreciada e aprovada pela assembleia nacional no dia 3 de Fevereiro de 2010. Essa referência às datas é importante, pois tratando-se de um acto histórico em volto em muitas datas, torna-se necessário saber o que aconteceu em cada data.
A actual constituição da República de Angola é como refere o seu preâmbulo
o culminar do processo de transição constitucional iniciado em 1991,  com a aprovação, pela Assembleia do Povo, da Lei n.º 12/91,que consagrou a democracia multipartidária, as garantias dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o sistema económico de mercado, mudanças aprofundadas, mais  tarde, pela Lei de Revisão Constitucional n.º 23/92.” (Constituição da República de Angola, Diário da República, nº 23, Iª série, de 5 de Fevereiro).
Ou seja a partir de 1991 Angola começou uma nova fase no seu percurso político-constitucional rompendo o cordão umbilical que o ligava ao regime marxista-leninista estatuído depois da independência. Estabeleceu um regime político mais pluralista e uma economia mais baseada no mercado do que no centralismo. Isso tudo foi, no plano jurídico, implementado através de uma revisão constitucional (Lei 23/92) que na opinião de Marcelo Rebelo de Sousa mais não era do que uma Constituição provisória. Entre nós a lei Constitucional de 1992 foi a nossa Constituição de transição, pois apesar de ela ser considerada revisão constitucional, ela foi, em bom rigor, uma constituição nova, pois há uma visível descontinuidade[3].
Radiografando a nossa nova constituição ela é composta por 8 títulos, 19 capítulos, 18 secções, 244 artigos e três anexos. O título I que trata dos princípios fundamentais é composto de 21 artigos, o titulo II trata dos direitos e deveres fundamentais e contém três capítulos (princípios gerais; direitos, liberdades e garantias fundamentais e o ultimo capitulo sobre direitos e deveres económicos, sociais e culturais) e 66 artigos que vão do artigo 22 ao artigo 88. Esta é a parte que podemos considerar inovadora da nossa Constituição pois além do rol de direitos fundamentais nela contidos, estabelece normas que podemos encontrar em qualquer constituição moderna, há um melhor tratamento dado aos direitos fundamentais e aos mecanismo da sua defesa se o compararmos com a anterior constituição.
O título III trata da Organização Económica, Financeira e Fiscal, e composto por dois capítulos (princípios gerais, sistema Financeiro e Fiscal), neste título encontramos normas sobre a organização económica do Estado Angolano, o papel do estado na economia, o modelo de economia (economia de mercado e não a economia centralizada como foi antes de 1991, art. 89, c)), neste titulo o papel do Banco Nacional Angola no sistema financeiro angolano, matéria que depois é desenvolvida pela lei infraconstitucional ou seja a chamada lei ordinária (lei 16/10), nesta parte da constituição também são lançadas os pilares sobre o sistema fiscal e tributário, como por exemplo como devem ser criados os impostos, e algumas normas sobre o OGE. Este título contém 16 artigos que vão do artigo 89 ao artigo 104.
O título IV é o mais longo da constituição contém 4 capítulos e 92 artigos que tratam da Organização do Poder do Estado, esta parte da constituição é chamada, doutrinariamente, de constituição Política por tratar de questões eminentemente política, ou seja aborda a organização política do Estado. O primeiro capítulo tem como epigrafe princípios gerais onde nos é dado a conhecer os órgãos de soberania (Presidente da República, Assembleia Nacional e os Tribunais) que passaram a ser três em vez de quatro como era na lei constitucional. No segundo capítulo nos é dado informação sobre o poder executivo do Estado[4], a sua extensão e os seus limites, o seu titular, o modo do seu exercício e outras questões inerentes a este poder. Capítulo III desenvolve a matéria sobre o poder legislativo, cuja função é produção de leis para o pais, o órgão que exerce esse poder (Assembleia Nacional), a sua definição, estrutura, composição e eleição. O capítulo IV e último deste título IV debruça-se sobre o poder judicial, órgão do Estado encarregue de julgar isto dirimir conflitos de interesses públicos ou privado. Neste capítulo encontramos a tipologia dos tribunais (tribunal constitucional, tribunal supremo, tribunal de contas e supremo tribunal militar sem prejuízo de existências de outros tipos tribunais). Esta Constituição traz também inovações neste aspecto ao consagrar artigos que falem sobre a advocacia como uma instituição essencial a justiça o que não aconteceu com a lei constitucional.
 Não gostaria de terminar a abordagem desse título sem falar da inovação polémica que a Constituição traz. Essa inovação chama-se modelo de eleição do presidente da República, titular do poder executivo. O artigo 109 que tem como epigrafe estabelece no seu número 1: ” é eleito presidente da República e Chefe do Executivo o cabeça de lista pelo circulo nacional, do partido político ou coligação de partidos políticos mais votados no quadro das eleições gerais, realizadas ao abrigo do artigo 143º e seguintes da Constituição”
Segundo esse artigo que introduz um modelo que não figurava em nenhum dos projectos de constituição dos partidos políticos que participaram na feitura da actual Constituição, e sabe-se lá como entrou nos três projectos postos a discussão e consulta pública, e denominado pelo presidente da República de modelo atípico só podem ser candidatos a presidente da República pessoas ligadas a partidos políticos, extinguindo-se dessa forma as candidaturas independentes. Penso pessoalmente que nesse aspecto houve um recuo, apesar de reconhecer a estabilidade política que este modelo proporciona, pois a eleição do presidente fica muito partidarizada e deixam o eleitor sem escolha e é mesmo até uma ofensa ao princípio da separação de poderes no que se refere a eleição dos órgãos que são titulares desses poderes (executivo e legislativo).
Continuando a radiografar a nossa Constituição temos depois o título V que trata da Administração Pública, enquanto conjunto de órgãos e serviços do Estado e demais pessoas colectivas públicas que visam a satisfação das necessidades da população, como a segurança, a saúde e o bem-estar. Este título é composto por 5 capítulos e 15 artigos.
O título VI composto por três capítulos (princípios gerais, autarquias locais e instituições do Poder tradicional)e 13 artigos trata do Poder Local, este poder local implica a autonomia local que mais não é que “a capacidade efectiva de as autarquias locais gerirem e regulamentarem, nos termos da Constituição e da lei sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, os assuntos públicos locais”[5].
De recordar que Angola, desde a independência sempre dedicou na sua Constituição artigos sobre o poder local mas na prática esse poder local nunca foi institucionalizado, o Estado apoderou-se de tarefas incumbidas a um ente administrativo infra estadual e há uma resistência em devolver esse poder, essa função a esses entes e o que é pior, é que elas ( autarquia local) nunca foi criadas, as suas funções são exercidas por órgãos do Estado desconcentrados do poder central (governos provinciais). Espera-se que depois das eleições gerais haja eleições autárquicas para a efectivação desse estipulado constitucional. Ainda neste título encontramos  a institucionalização (pelo menos a nível da Constituição) do poder tradicional, como um poder que coexiste como o poder estadual e local, poder este que também, tal como o Estado, cria normas aplicáveis às comunidades tradicionais que têm o mesmo peso que as normas jurídicas positivas e devem ser respeitados pelas entidades públicas e privadas.
O título VII e penúltimo da Constituição composto por 2 capítulos (Fiscalização da Constituição e Revisão Constitucional) e 12 artigos trata das garantias da Constituição ou seja dos meios de defesa da própria constituição que são nomeadamente a fiscalização ou controlo da Constitucionalidade e a revisão da Constituição. Através do primeiro previne-se e reprime-se vícios (normas contrárias a Constituição) que a possam afectar. E através do segundo estabelece-se um conjunto de elementos relativos a matéria, tempo e circunstâncias em que se pode ou não alterar ou rever a constituição.
O último título (VIII) da Constituição trata de normas finais e transitórias, isto é de normas que regula a transição de um momento constitucional para outro, bem como normas que estabelecem o início da vigência da constituição.
Por fim temos três anexos relativos os símbolos da República nomeadamente a Bandeira nacional, a Insígnia e o Hino Nacional.
Na segunda parte deste artigo me esforçarei em trazer um estudo sobre a evolução histórica da nossa lei mãe desde a primeira Constituição, as diversas revisões que lhe foram feitas, a grande revisão de 1991 e 1992 e a mais subsídios sobre o processo de aprovação da actual Constituição.
Espero ter ajudado a conhecer mais  a nossa constituição. Um abraço!!!




[1] Digo aprovamos porque apesar de toda a contradição que possa haver na aprovação de uma constituição, como foi o nosso caso em que uma parte da oposição retirou-se da sala no momento da aprovação da constituição, ela é aprovada pelo povo pois os deputados à assembleia nacional representa todo o povo angolano.
[2] Importa dizer que a fiscalização da Constituição consistia fundamentalmente em verificar a sua conformação com os limites materiais estabelecidos na lei constitucional de 1992, na altura vigente
[3] Esta é também a posição assumida pelos constitucionalistas angolanos, Adérito Correia e Bornito de Sousa Cfr. Angola – História Constitucional, Almedina, p. 31; e Raul Araújo Cfr. A sua Tese de Doutoramento publicada pela Casa das ideias sob o Titulo: O Presidente da República no Sistema Político de Angola, p. 342 e 343.
[4] Importa realçar que a teoria da divisão e separação dos poderes do Estado (poder executivo, legislativo e judicial) desenvolvida pelos filósofos iluminista do qual se destaca Montesquieu é, amplamente, aceite e encontramo-la em muitas constituições modernas, não sendo excepção a constituição da República de Angola.
[5] Este conceito de autonomia local presente na nossa Constituição (art. 214) é mesmo adoptado pela Carta Europeia de Autonomia Local ratificada por grande parte dos países europeus dentre os quais Portugal através do decreto presidencial 58/90 de 23 de Outubro.