Três anos de Constituição da República de Angola (I)
Completamos
no passado dia 5 de Fevereiro três anos desde que aprovamos[1] a
Constituição da República de Angola. Recorde-se que essa data (5 de Fevereiro),
é a da promulgação e publicação da Constituição no Diário da República, nº 23,
Iª Série, no ano 2010, depois da sua aprovação pela Assembleia Constituinte no
dia 21 de Janeiro e depois ainda de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional
para efeito de fiscalização preventiva de Constitucionalidade[2] no
dia 30 de Janeiro e novamente apreciada e aprovada pela assembleia nacional no
dia 3 de Fevereiro de 2010. Essa referência às datas é importante, pois
tratando-se de um acto histórico em volto em muitas datas, torna-se necessário
saber o que aconteceu em cada data.
A
actual constituição da República de Angola é como refere o seu preâmbulo
“
o
culminar do processo de transição constitucional iniciado em 1991, com a aprovação, pela Assembleia do Povo, da
Lei n.º 12/91,que consagrou a democracia multipartidária, as garantias dos
direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o sistema económico de
mercado, mudanças aprofundadas, mais
tarde, pela Lei de Revisão Constitucional n.º 23/92.” (Constituição da
República de Angola, Diário da República, nº 23, Iª série, de 5 de Fevereiro).
Ou
seja a partir de 1991 Angola começou uma nova fase no seu percurso
político-constitucional rompendo o cordão umbilical que o ligava ao regime
marxista-leninista estatuído depois da independência. Estabeleceu um regime político
mais pluralista e uma economia mais baseada no mercado do que no centralismo.
Isso tudo foi, no plano jurídico, implementado através de uma revisão
constitucional (Lei 23/92) que na opinião de Marcelo Rebelo de Sousa mais não
era do que uma Constituição provisória. Entre nós a lei Constitucional de 1992
foi a nossa Constituição de transição, pois apesar de ela ser considerada
revisão constitucional, ela foi, em bom rigor, uma constituição nova, pois há
uma visível descontinuidade[3].
Radiografando
a nossa nova constituição ela é composta por 8 títulos, 19 capítulos, 18 secções, 244 artigos e três anexos. O
título I que trata dos princípios fundamentais é composto de 21 artigos, o titulo II trata dos direitos e deveres
fundamentais e contém três capítulos (princípios gerais; direitos,
liberdades e garantias fundamentais e o ultimo capitulo sobre direitos e
deveres económicos, sociais e culturais) e 66 artigos que vão do artigo 22 ao
artigo 88. Esta é a parte que podemos considerar inovadora da nossa
Constituição pois além do rol de direitos fundamentais nela contidos, estabelece
normas que podemos encontrar em qualquer constituição moderna, há um melhor
tratamento dado aos direitos fundamentais e aos mecanismo da sua defesa se o
compararmos com a anterior constituição.
O
título III trata da Organização
Económica, Financeira e Fiscal, e composto por dois capítulos (princípios
gerais, sistema Financeiro e Fiscal), neste título encontramos normas sobre a
organização económica do Estado Angolano, o papel do estado na economia, o
modelo de economia (economia de mercado e não a economia centralizada como foi
antes de 1991, art. 89, c)), neste titulo o papel do Banco Nacional Angola no
sistema financeiro angolano, matéria que depois é desenvolvida pela lei
infraconstitucional ou seja a chamada lei ordinária (lei 16/10), nesta parte da
constituição também são lançadas os pilares sobre o sistema fiscal e
tributário, como por exemplo como devem ser criados os impostos, e algumas
normas sobre o OGE. Este título contém 16 artigos que vão do artigo 89 ao
artigo 104.
O título IV
é o mais longo da constituição contém 4 capítulos e 92 artigos que tratam da Organização do Poder do Estado, esta
parte da constituição é chamada, doutrinariamente, de constituição Política por
tratar de questões eminentemente política, ou seja aborda a organização
política do Estado. O primeiro capítulo tem como epigrafe princípios gerais
onde nos é dado a conhecer os órgãos de
soberania (Presidente da República, Assembleia Nacional e os Tribunais) que
passaram a ser três em vez de quatro como era na lei constitucional. No segundo
capítulo nos é dado informação sobre o poder executivo do Estado[4], a
sua extensão e os seus limites, o seu titular, o modo do seu exercício e outras
questões inerentes a este poder. Capítulo
III desenvolve a matéria sobre o poder legislativo, cuja função é produção
de leis para o pais, o órgão que exerce esse poder (Assembleia Nacional), a sua definição, estrutura, composição e
eleição. O capítulo IV e último
deste título IV debruça-se sobre o poder
judicial, órgão do Estado encarregue de julgar isto dirimir conflitos de
interesses públicos ou privado. Neste capítulo encontramos a tipologia dos
tribunais (tribunal constitucional,
tribunal supremo, tribunal de contas e supremo tribunal militar sem
prejuízo de existências de outros tipos tribunais). Esta Constituição traz
também inovações neste aspecto ao consagrar artigos que falem sobre a advocacia
como uma instituição essencial a justiça o que não aconteceu com a lei
constitucional.
Não gostaria de terminar a abordagem desse título
sem falar da inovação polémica que a Constituição traz. Essa inovação chama-se modelo de eleição do presidente da
República, titular do poder executivo. O
artigo 109 que tem como epigrafe estabelece no seu número 1: ” é eleito presidente da República e Chefe
do Executivo o cabeça de lista pelo circulo nacional, do partido político ou
coligação de partidos políticos mais votados no quadro das eleições gerais,
realizadas ao abrigo do artigo 143º e seguintes da Constituição”
Segundo
esse artigo que introduz um modelo que não figurava em nenhum dos projectos de constituição
dos partidos políticos que participaram na feitura da actual Constituição, e
sabe-se lá como entrou nos três projectos postos a discussão e consulta
pública, e denominado pelo presidente da República de modelo atípico só podem
ser candidatos a presidente da República pessoas ligadas a partidos políticos, extinguindo-se
dessa forma as candidaturas independentes. Penso pessoalmente que nesse aspecto
houve um recuo, apesar de reconhecer a estabilidade política que este modelo
proporciona, pois a eleição do presidente fica muito partidarizada e deixam o
eleitor sem escolha e é mesmo até uma ofensa ao princípio da separação de
poderes no que se refere a eleição dos órgãos que são titulares desses poderes
(executivo e legislativo).
Continuando
a radiografar a nossa Constituição temos depois o título V que trata da Administração
Pública, enquanto conjunto de órgãos e serviços do Estado e demais pessoas
colectivas públicas que visam a satisfação das necessidades da população, como
a segurança, a saúde e o bem-estar. Este título é composto por 5 capítulos e 15
artigos.
O
título VI composto por três
capítulos (princípios gerais, autarquias locais e instituições do Poder
tradicional)e 13 artigos trata do Poder
Local, este poder local implica a autonomia local que mais não é que “a capacidade efectiva de as autarquias
locais gerirem e regulamentarem, nos termos da Constituição e da lei sob sua
responsabilidade e no interesse das respectivas populações, os assuntos
públicos locais”[5].
De
recordar que Angola, desde a independência sempre dedicou na sua Constituição artigos
sobre o poder local mas na prática esse poder local nunca foi institucionalizado,
o Estado apoderou-se de tarefas incumbidas a um ente administrativo infra
estadual e há uma resistência em devolver esse poder, essa função a esses entes
e o que é pior, é que elas ( autarquia local) nunca foi criadas, as suas funções
são exercidas por órgãos do Estado desconcentrados do poder central (governos
provinciais). Espera-se que depois das eleições gerais haja eleições autárquicas
para a efectivação desse estipulado constitucional. Ainda neste título
encontramos a institucionalização (pelo menos
a nível da Constituição) do poder tradicional, como um poder que coexiste como
o poder estadual e local, poder este que também, tal como o Estado, cria normas
aplicáveis às comunidades tradicionais que têm o mesmo peso que as normas jurídicas
positivas e devem ser respeitados pelas entidades públicas e privadas.
O
título VII e penúltimo da
Constituição composto por 2 capítulos (Fiscalização da Constituição e Revisão
Constitucional) e 12 artigos trata das garantias
da Constituição ou seja dos meios de defesa da própria constituição que são
nomeadamente a fiscalização ou controlo da Constitucionalidade e a revisão da
Constituição. Através do primeiro previne-se e reprime-se vícios (normas
contrárias a Constituição) que a possam afectar. E através do segundo estabelece-se
um conjunto de elementos relativos a matéria, tempo e circunstâncias em que se
pode ou não alterar ou rever a constituição.
O
último título (VIII) da Constituição
trata de normas finais e transitórias,
isto é de normas que regula a transição de um momento constitucional para outro,
bem como normas que estabelecem o início da vigência da constituição.
Por
fim temos três anexos relativos os símbolos da República nomeadamente a
Bandeira nacional, a Insígnia e o Hino Nacional.
Na
segunda parte deste artigo me esforçarei em trazer um estudo sobre a evolução histórica
da nossa lei mãe desde a primeira Constituição, as diversas revisões que lhe
foram feitas, a grande revisão de 1991 e 1992 e a mais subsídios sobre o
processo de aprovação da actual Constituição.
Espero
ter ajudado a conhecer mais a nossa
constituição. Um abraço!!!
[1]
Digo aprovamos porque
apesar de toda a contradição que possa haver na aprovação de uma constituição,
como foi o nosso caso em que uma parte da oposição retirou-se da sala no
momento da aprovação da constituição, ela é aprovada pelo povo pois os
deputados à assembleia nacional representa todo o povo angolano.
[2] Importa dizer que a fiscalização
da Constituição consistia fundamentalmente em verificar a sua conformação com
os limites materiais estabelecidos na lei constitucional de 1992, na altura
vigente
[3]
Esta é também a posição
assumida pelos constitucionalistas angolanos, Adérito Correia e Bornito de
Sousa Cfr. Angola – História Constitucional, Almedina, p. 31; e Raul Araújo
Cfr. A sua Tese de Doutoramento publicada pela Casa das ideias sob o Titulo: O
Presidente da República no Sistema Político de Angola, p. 342 e 343.
[4] Importa realçar que a teoria da
divisão e separação dos poderes do Estado (poder executivo, legislativo e
judicial) desenvolvida pelos filósofos iluminista do qual se destaca
Montesquieu é, amplamente, aceite e encontramo-la em muitas constituições
modernas, não sendo excepção a constituição da República de Angola.
[5] Este conceito de autonomia local
presente na nossa Constituição (art. 214) é mesmo adoptado pela Carta Europeia de
Autonomia Local ratificada por grande parte dos países europeus dentre os quais
Portugal através do decreto presidencial 58/90 de 23 de Outubro.